De todas as expressões que te caracterizam, o "Ó Sr. Fulano..." quando te referias a alguma personagem das tuas inúmeras peripécias, foi sem dúvida a que mais me marcou. Elas eram tantas... "Ó Irene, caramba! Não me chateies!", quando não querias tomar os medicamentos; "Ó Irene, traz-me as pinóias!", quando querias adoçante; o inconfundível "Olha o Cabeça de porco!", quando te referias ao Pinto da Costa; "Essa besta!" quando falavas do Presidente do Sporting; "O preto!", vulgo António Costa; "Rai's parta o cão!", quando o Stick decidia lamber-te as orelhas ou por-se á tua altura.
De facto, as tuas expressões são mais que muitas e cada uma mais genuína que a outra.
Mas não são só as expressões que te caracterizam... os hábitos também: o fechar da água e do gás sempre que saías de casa, a fita-cola no sintonizador do rádio para que ninguém te trocasse a estação, as chaves devidamente ordenadas no chaveiro, o verificares tudo pela tua mão (ás vezes mais do que uma vez...), a escolha do bacalhau para o Natal (e claro que tinhas de o ser tu a cortar!), o abrir de boca de sono mais barulhento da história universal, o "Que merda!" sempre que espirravas (e espirravas sempre duas vezes seguidas...), o registo de todas (mas mesmo todas...) as despesas na tua agenda de bolso, o misturares água com o vinho tinto, a mania de conduzir de noite sempre com os máximos ligados.
A lista é infindável. Os teus defeitos (que hoje sei que não eram defeitos, mas sim feitio) nunca fizeram com que as pessoas gostassem menos de ti. Bem pelo contrário, as pessoas olhavam para ti com respeito e com o carinho próprio de quem olha para um avô resingão.
Á minha mente vêm todas as nossas conversas mais acesas. Á minha mente vem o prevalecer da minha vontade só porque achava que as coisas não tinham de ser ao teu ritmo e só porque te apetecia - lembro-me em concreto do teu pedido generalizado á familia para que te levassem ao barbeiro só porque antes do almoço te apeteceu ir fazer a barba! E alguém te levou? Não... O que custava? Nada, simplesmente nada!
Sabes, apesar de não seres meu avô, gostava de ti. Ajudaste-nos muito em determinada altura da nossa vida e acho que nunca te agradeci o suficiente.
Tinhas mau feitio? Tinhas, concerteza! E depois? Hoje sei que isso não é importante.
Fico feliz com o facto de te ter ido visitar e de teres tido a consciência que os teus netos te foram ver, mas sabes, hoje, contigo, morreu também parte de mim.
Imagino-te na viagem para o céu... bem, desgraçado do motorista porque de certeza que alguma coisa já te incomodou... "Ó José, deixa lá..." dir-te-ia a D. Irene! "Deixa lá não!!" responderias!
Sabes que se eu poder fazer alguma coisa por ti, que se precisares de alguma coisa, cá estarei. A tua principal preocupação neste momento é a D. Irene, seguramente! Que não seja preocupação porque cuidaremos bem dela! Descança. Não te zangues! E de vez em quando, olha cá para baixo só para ver se estamos bem!
segunda-feira, 17 de março de 2008
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2 comentários:
não diria melhor! O nosso avô era mesmo assim e querido por todos apesar do seu feitio especial!
Que bonito!
E que privilégio assistir à transformação!!!
Bjs!
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